interdum vulgus rectum videt
quinta-feira, abril 20, 2017
Vacinas!
Nos últimos anos tenho seguido a evolução do movimento negacionista das vacinas no estrangeiro: aqueles que acham que a balança entre custos e benefícios de ser vacinado pende para o lado do custo. Sempre pensei que o movimento veria o seu fim antes de chegar a Portugal, mas parece que me enganei!
Ontem morreu uma adolescente com sarampo. Esta doença estava já erradicada em Portugal, mas devido a algumas bolsas de não vacinação estão a aparecer alguns surtos pelo país. Esta jovem não estava vacinada pois teve, enquanto criança, uma reação alérgica grave a outra vacina. Tal como ela há ainda outras pessoas (incluindo bebés) que não podem, por uma ou outra razão, serem vacinados. E é por isso que a imunidade de grupo é tão importante: vacinando tanta gente quanto possível, cria-se uma espécie de escudo protetor que não permite que a doença chegue àqueles que não as podem combater. Quando essa imunidade de grupo é quebrada pomos em risco toda a gente (aqueles que não querem ser vacinados, mas também aqueles que não podem).
E é aqui que entram os negacionistas. Pondo opinião à frente de evidências científicas, este grupo de pessoas põe em risco a vida dos seus filhos, e de todos aqueles que a imunidade de grupo deveria proteger, quebrando-a! A história começou em Inglaterra com a publicação, em 1998, de um estudo realizado pelo Dr. Andrew Wakefield, no qual ele concluía que a vacina tripla contra o sarampo, rubéola e papeira estava diretamente ligada ao aparecimento de autismo nas crianças que as tomavam. O estudo foi realizado com 12 crianças (!), todas com autismo. Wakefield defendeu que as três vacinas deveriam ser dadas em separado, para evitar os riscos associados à vacina tríplice. Daí para cá foram feitas tentativas de replicar o estudo, todas sem sucesso. Foram também realizados estudos após estudos que mostram claramente não existir qualquer relação entre qualquer vacina e o autismo. Como se isso não bastasse, sabe-se agora que Wakefield tinha sido contratado por um advogado especialista em negligências médicas para realizar o estudo, com o objetivo de provar a existência de uma relação entre a vacina tríplice e o aparecimento de autismo em crianças. Essa relação entre ambos foi mantida em segredo. Também em segredo foi mantido o facto de, nove meses antes de anunciar que a melhor solução para vacinação das crianças seria tomarem as três vacinas em separado, Wakefield ter patenteado uma vacina contra o sarampo. Sabe-se também agora que os próprios dados do estudo foram alterados, e que não correspondem aos dados dos laboratórios que realizaram as análises supostamente usadas no mesmo. A exposição destes factos fez com que a ordem dos médicos britânica (General Medical Council) lhe retirasse a licença de médico.
Mas o mal estava feito.
Agora na América, Wakefield continua a espalhar desinformação e medo entre pais e mães que só tentam dar o melhor aos seus filhos. Outras vozes se foram juntando, provando que a opinião de algumas celebridades pode ser mais forte que toda uma montanha de evidência científica.
Começaram a ouvir-se estrelas de televisão a explicar como alguns químicos tóxicos presentes nas vacinas seriam os responsáveis pela epidemia (inexistente) de autismo, criando mais medo, e mostrando total desconhecimento pelo princípio básico da toxicologia: a dose faz o veneno.
Todas estas hipóteses sobre os perigos escondidos das vacinas foram testadas ao longo dos anos, e a evidência científica mostrou que estão erradas.
Nos dias de hoje é cada vez mais importante saber de onde vêm as informações que lemos. O nosso conhecimento sobre medicina não se deve basear na opinião de celebridades de televisão, mas sim no consenso científico.
—
- How the case against the MMR vaccine was fixed
- Piltdown medicine: The missing link between MMR and autism
- Toxic myths about vaccines
- Autism Prevalence Unchanged in 20 Years
- Three Reasons Not to Believe in an Autism Epidemic
quinta-feira, janeiro 14, 2016
A confusão de João César das Neves.
Na sua coluna "Não Há Almoços Grátis" [1], João César das Neves decidiu hoje escrever sobre "As vítimas de 'Charlie'". Começou por denegrir a publicação francesa, dizendo tratar-se de um "semanário humorístico extremista e radical, adepto de piadas insultuosas e de mau gosto", e que abusa da "liberdade de expressão para atacar os sectores mais variados da sociedade". Dizer que o Charlie Hebdo é extremista e radical não tem por si só qualquer significado. Quais são os extremos dessa barra com que João César das Neves mediu o jornal? Não sabemos ao certo. E quais são esses sectores da sociedade que são 'atacados' pelo Charlie Hebdo? Segundo João César das Neves são "todos os que não seguem a sua [do Charlie Hebdo] orientação anarquista, ateia e socialmente libertária." Vamos assumir que sim, que o Charlie Hebdo é uma publicação de orientação anarquista, ateia e socialmente libertária. Parece-me que se pode dizer, com uma aproximação razoável, que o jornal 'ataca' quase todos os sectores da sociedade [2]. Mas o que quer João César das Neves dizer quando utiliza o verbo 'atacar'? Ficou também por dizer. Com certeza não fez explodir nenhuma bomba, nem atentou contra a vida de ninguém.
Depois desta negra introdução, João César das Neves presenteia-nos com um parágrafo alucinante, no qual nos passa a seguinte mensagem: do ponto de vista do semanário francês, os ataques terroristas de 7 de Janeiro de 2015 foram a melhor coisa que podia acontecer! Porquê? Porque o fez atingir a fama mundial. Ainda bem que as equipas de marketing dos outros jornais não são da mesma opinião...
As principais vítimas do atentado, segundo João César das Neves, foram os caricaturistas e outros trabalhadores do jornal. Mas não estão sozinhas no top: a outra vítima principal foi o próprio semanário! Como? Então não foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido? Ah, mas isso depende do ponto de vista: do ponto de vista do semanário o atentado foi muito bom, mas do ponto de vista de João César das Neves (e, segundo o que ele desejaria, do Mundo) o ataque foi mau porque agora os caricaturistas do jornal satírico "sentem-se justificados para praticar o seu tipo de violência com total impunidade." E que tipo de violência é essa? O mais próximo que João César das Neves nos deixa de uma resposta é quando nos diz que a linha editorial do Charlie Hebdo "sempre foi claramente agressiva, injuriosa, roçando os limites do tolerável numa sociedade livre e democrática." Querem um exemplo? João César das Neves dá-nos uma lista de exactamente zero! Porquê? Não sabemos. Algo evidente é que as caricaturas usadas pelo jornal não são para o gosto de todos. Talvez para o João César das Neves elas sejam agressivas (signifique isso o que significar!) e para mim não. Talvez rocem 'os limites do tolerável numa sociedade livre e democrática'. Desde que não os ultrapassem, estão no seu direito. E se alguma caricatura for injuriosa (e logo, criminosa), a pessoa ou grupo de pessoas que sofreu a injúria tem o sistema jurídico para se defender. Mas o mais provável é que o que vemos aqui seja mais um caso de alguém que olha para as caricaturas já com o preconceito de que são racistas e xenófobas, e não se dá ao trabalho de as tentar entender. Para saber ao certo se é este o caso ou não seria preciso que João César das Neves nos mostrasse alguns exemplos dessas caricaturas de que tanto fala, mas não temos essa sorte!
As segundas vítimas, e desta vez sinto-me em total sintonia com João César das Neves, foram os muçulmanos. Não os 'fanáticos extremistas', mas sim a grande maioria dos muçulmanos que apenas querem viver a sua vida tranquila, e que são cada vez mais alvo de xenofobia.
E depois começámos a dessintonizar... João César das Neves criou um paralelo estranho dizendo que os terroristas 'Saïd e Chérif Kouachi são tão mártires para os seus correligionários como Charb ou Wolinski para os cartoonistas.' Eu não posso falar pelos 'cartoonistas', mas, para mim, nem Charb, nem Cabu, nem Wolinski, nem nenhum dos 12 mortos no atentado terrorista foram mártires. Morreram não a defender uma ideologia, mas a executar o seu trabalho. E se esse trabalho estava de alguma forma ligada a uma ideologia, era uma ideologia anti-racista, como o atestam, por exemplo, o presidente da associação SOS racisme [3], ou o filósofo Russell Blackford [4].
As terceiras vítimas, e voltando a concordar com João César das Neves, foram 'as pessoas moderadas e decentes', que desceram 'mais um passo na espiral da violência.' É um chavão, e é verdade: violência gera violência. (João César das Neves refere-se também, e mais uma vez, à 'violência das caricaturas do Charlie Hebdo, e mais uma vez, eu não sei o que ele quer dizer com isso.)
Depois de nos falar das vítimas, João César das Neves quer-nos elucidar sobre o horror que é o semanário Charlie Hebdo, dizendo que "[n]o Ocidente tornou-se chique louvar, premiar e admirar o Charlie Hebdo, sem dar atenção ao conteúdo das suas páginas." Não! No Ocidente tornou-se chique criticar e denegrir o Charlie Hebdo, sem dar atenção ao conteúdo das suas páginas [5]. Parece-me que concordamos em discordar.
—
[1] - Diário de Notícias, 14 de Janeiro de 2016.
[2] - França tem uma população de ateus de aproximadamente 4%, por exemplo. Parece-me seguro dizer que o jornal consegue 'atacar' uma esmagadora maioria da população.
quarta-feira, outubro 14, 2015
Medicina Tradicional Chinesa e o Prémio Nobel da Medicina!
O Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2015 foi atribuído a três cientistas: metade do prémio para a dupla composta por William C. Campbell e Satoshi Ōmura pelos avanços em novas terapias contra infeções causadas por nemátodes, e a outra metade para Youyou Tu, pela suas descobertas no âmbito do combate à malária.
Os medicamentos que existiam para combater a malária (cloroquina e quinina) desenvolveram resistência e era necessário encontrar um substituto. Youyou, uma investigadora chinesa, propôs-se a descobrir uma droga para esse efeito.
A investigadora começou por procurar em textos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) por produtos conhecidos por reduzirem a febre, e iniciou a investigação com 2000 produtos candidatos. Depois de reduzir a lista, fixou-se na Artemisia por se mostrar a melhor candidata, mas quando inicialmente tentou extrair o ingrediente ativo, não conseguiu. Ela voltou a ler os textos da MTC, onde encontrou indicações que a infusão devia ser preparada com água fria. Ela levantou a hipótese de a fervura desativar o ingrediente ativo, e quando tentou de novo extraí-lo foi bem sucedida. Chamou à nova droga artemisinina.
No entanto, a artemisinina tem uma biodisponibilidade e uma meia-vida baixos, o que faz com que não sirva para tratar malária em humanos. Entretanto a farmacêutica suíça Novartis patenteou as drogas arteméter (um derivado da artemisinina) e lumefantrina (também ativa contra a malária), e a sua utilização conjunta mostrou-se um tratamento eficaz no combate à malária.
A nova droga continua a ser desenvolvida por químicos farmacêuticos para que sejam reduzidos os efeitos secundários.
Ao contrário do que se vê por essa internet fora, o trabalho de Youyou Tu não vem mostrar que a MTC e o Herbalismo afinal funcionam. Antes pelo contrário! A investigação mostra que a Artemisia (usando uma infusão ou a planta diretamente) não funciona no combate à malária, devido à sua baixa biodisponibilidade. Foi a farmacologia moderna, e não a MTC que desenvolveram esta cura para a malária.
Este Prémio Nobel é uma vindicação da Medicina de Base Científica.
NOTA: este post foi escrito, parcialmente, com base neste outro.
terça-feira, setembro 22, 2015
Não há direito!
O representante da Arábia Saudita foi nomeado para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Sim a mesma Arábia saudita que condenou Raif Badawi a 10 anos de prisão e 1000 chicotadas por expressar a sua opinião no seu blog pessoal. A mesma Arábia Saudita que condenou à morte por crucificação o menor Ali Mohammed al-Nimr por participar em protestos. A mesma Arábia Saudita que este ano já executou 85 criminosos, e que já publicou um anúncio para recrutar mais 8 executores.
quarta-feira, abril 22, 2015
Amnistia e Discriminação
A Amnistia Internacional é uma organização que eu suporto, e que desenvolve um trabalho que considero muito importante por esse mundo fora. Por isso não podia deixar passar este problema. Numa altura em que a animosidade sobre judeus está a aumentar, especialmente na europa, a Amnistia Internacional rejeitou realizar uma campanha para combater o anti-semitismo na Grã-Bretanha, num acto que me parece discriminatório.
Contactei a Amnesty International, mas até ao momento não recebi qualquer resposta tendo recebido a seguinte resposta (reproduzo apenas a parte relevante da mensagem):
At our AGM, after a really interesting debate where everyone condemned discrimination against all ethnic and religious groups, our membership decided not to pass this resolution calling for a campaign with a single focus.
The Board of Amnesty International UK did support this resolution and they will be considering the outcome of the vote at their next meeting.
Suporte bíblico!
Diretamente, ou com a interpretação "certa", encontram-se na bíblia passagens que podem ser usadas para justificar o que quer que seja, até violação de menores!
quarta-feira, abril 08, 2015
Gráfico mais inútil de sempre!
O que se passa na cabeça desta gente? Vamos acreditar que foi um professor que criou este gráfico para mostrar aos seus alunos o que não fazer...
terça-feira, abril 07, 2015
A man’s world!
Subscrever:
Mensagens (Atom)